As estações da alma
A alma voa, deixando os seus rastros em forma de poesia.
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                                                                                               (imagem do google)
 

Algumas Etapas da vida.

Às vezes simulamos situações, simulamos uma realidade que foge muitas vezes à compreensão até mesmo nossa. Existem histórias ou fatos de uma vida inteira, cujo roteiro não se pode escrever em um curto resumo ' Numas poucas palavras '  Porque fica sempre alguma coisa a mais para ser acrescida, também outras que jamais serão ditas. Porque a vida é um mistério e o mais gostoso da vida são os seus segredos mágicos, os sonhos, as ilusões alimentadas que nos servem de alento para quando os dias forem carrascos.

Naquela manhã... 'Tudo começou dando errado logo cedo, quando o despertador não funcionou, ela estava se preparando para a grande viagem, esqueceu que não o programou para tocar nos finais de semana. Sabia o tanto que haveria de apressar-se.  Assim passou o resto do dia resolvendo os últimos detalhes de sua agenda particular, porque na rotina do seu trabalho não lhe sobrava muito tempo para si mesma, a não ser uma vez e outra entrar no pc e trocar algumas mensagens, ou escrever algo que não pudesse calar dentro da sua inquietante alma. 

Estava preocupada, para que de nada esquecesse, porque era a sua última estadia naquela pousada que ela havia alugado nos dois últimos meses, desde que decidiu ir embora de vez daquele lugar. Naquela manhã, finalizando tudo, ela saiu para comprar algumas pequenas lembranças para aqueles parentes e amigos que nunca haviam saído dos seus pensamentos. Algumas vezes quando estava sozinha no seu jeito reservada e solitária, se perguntava; - Como estarão depois de tantos anos? Até poderia tê-los visto pelo note, através da tecnologia atual, tantos recursos, mas não. Ela preferiu esperar o dia de sua volta, para olhar nos olhos de cada um deles.

Emocionada só em pensar, chorou. A hora de partir se aproximava, ela já se sentia um pouco cansada, afinal estava bem distante a sua juventude e vigor. Com todo preparo físico, caminhadas, tratamentos, uma boa alimentação, noites bem dormidas, e os seus livros de Fernando Pessoa, o tempo já a havia marcado e roubado uma boa parte daquela mulher destemida que um dia foi. Era chegada mesmo a hora de voltar. Muito apressada, correndo contra o tempo, enfim conseguiu chegar para pegar o seu vôo que duraria o tempo suficiente para fazer com que ela fizesse uma viagem interior, ela que sempre estava correndo muito, ela que pensava pouco em si mesma, desde a sua infância aos dez anos de idade, já dava aulas de reforço escolar para vinte alunos cujos pais não sabiam ensinar-lhes. Sempre trabalhou... Ajudou a educar seus irmãos mais novos, depois lhe vieram os filhos. Agora... Depois de mais de oito anos, morando naquela cidade, longe daquele seu antigo mundo previsível demais... Iria retornar. Com muita ansiedade e visível impaciência, ela caminhou um pouco, olhou para o relógio à sua frente no alto, num dos pontos daquele aeroporto.

Tentou fugir de sua realidade e de tudo o que deixara para trás até a si mesma deixaria um bocado dela para trás. Sentiu a frieza daquele lugar, sempre achou que esses locais, são frios, acentuando muito mais os seus propósitos, intimamente às pessoas mais sensíveis, mesmo quando eles representam algumas lembranças boas, deixadas por pessoas marcantes que fizeram parte de uma etapa em nossas vidas. Olhou para as colunas e escadas sem se familiarizar com nada, na verdade, nada dela nunca estivera presa a nenhum lugar, ela era uma ilha. Sem dar uma palavra com os estranhos, ela estava irremediávelmente sozinha e assim iria permanecer, foi uma opção que fez, depois de muitas e muitas decepções, tantas!

Ao seu lado esquerdo, viu a sua imagem refletida num enorme espelho, misturada à outras imagens de pessoas de diversas nacionalidades, ainda parou por alguns segundos e olhou bem direto aos seus olhos refletidos, percebeu uma certa tristeza sem remédio, ao mesmo tempo bem no seu íntimo sabia que daqui a algumas horas o seu destino tomaria um novo rumo. Fazia muito frio naquela noite, ela que vinha de um lugar tão quente, onde o sol anima e causa agonia por ser tão forte na pele, o que salvava era tão somente o vento que alivia um pouco, agora, estava ali, quase a tremer de frio. Estranhamente não sentia pena de si mesma. Não havia motivo, pois a sua vida inteira fez tudo o que bem quis, foi uma revolucionária da sua geração. Lembrou a primeira vez em que entrou na paróquia da sua cidade, vestida de calças compridas bem colada ao corpo, quando ainda era proibido às mulheres, daquela sua cidade que ainda estava começando a crescer, assistir as missas em trajes assim. O pároco chamou-lhe a atenção e pediu para que ela se retirasse e voltasse de saias. Lembrou do seu mini biquine, enquanto as moças da mesma década usavam maiôs comportados. Sorriu.

Daqui mais um pouco quando chegasse no avião iria dormir um pouco, a viagem seria longa. Olhou mais uma vez para o relógio à sua frente, Imaginou o que ao longo do tempo, aquele relógio poderia ter assistido, sem nada poder declarar, acrescentar ou aliviar às dores das despedidas, nem vibrar com retornos felizes. Observou atenta, alguns dos rostos  que por ali passavam, alguns sorridentes, outros perplexos, talvez pelas suas novas escolhas ou pela mesmice que a vida aos poucos vai impondo, ora fazendo acreditar num amanhã, por outra, massacrando.

Algumas despedidas são mesmo para sempre. Ela mesma só não sabia o porque daquela sua certeza de que ali nunca mais colocaria os seus pés. Quando ela entrou na aeronave, calculou mais uma vez as horas, medindo o tempo que a separava daquilo tudo que havia deixado para trás em busca de se realizar profissionalmente. Aquele não era o seu primeiro voo, nem seria o último. A muito tempo havia perdido as contas do tanto de viagens que já fizera, havia perdido também a noção de datas marcantes, vivia um dia de cada vez sem pensar nos 365 dias do futuro ou milhões dos dias ano após ano, passados. Sabia que ao colocar outra vez os seus pés na rua daquela cidade onde passou a sua infância a sensação de dor, iria renovar as suas mais antigas emoções esquecidas num canto do peito. Nem assim desistiu de colocar a sua enorme bagagem com excesso de peso, com excesso de experiências vividas, frustrantes. Já estavam no ar. Foi quando depois de mais de seis horas de voo tranquilo; Pane no avião, o que não foi surpresa, algo fora da rotina dos tripuantes, chamou-lhe  a atenção, talvez a dureza daquele comissário de bordo, sentiu que algo estava errado. Ouviu-se gritos, era o pânico que se alastrava em cada pessoa que estava dentro daquele avião. Estranhamente não sentiu medo, estava disposta a tudo. Morrer?
(Liduina do Nascimento)



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Liduina do Nascimento
Enviado por Liduina do Nascimento em 18/01/2015
Alterado em 10/05/2016
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