Que Noite !
Carta
Para Anna
Uma vez que eu não costumo conversar com ninguém, embora não seja fechada para o mundo, prefiro viver assim, o que me resta senão as palavras... Quando você se reporta para dentro de você, sem medo do que vai encontrar, sem medo das verdades e motivos mais escondidos, você se sente a pessoa mais só no mundo, e bem no fundo foi a sua escolha e você gosta, qual a forma mais sensata de se aliviar, é escrever.
Apagaram-se todas as luzes hoje, a cidade parou cedo da tarde, nenhum sinal fechado ou aberto. Três horas de engarrafamento, fui vendo o sol ir bem devagar, se formou um crepúsculo rosa com azulado, até anoitecer e eu não tirei os meus olhos do caminho, nem da beleza do firmamento. Nenhum sinal para fazer qualquer ligação, nenhum meio de comunicação, foram horas de isolamento, aproveitei a minha própria companhia para conversar sozinha, confiando em meus pensamentos positivos, que os meus filhos soubessem se defender em meio aos perigos daquele final de tarde entrando pela noite. Nem quis saber dos motivos, cansada de tudo.
Na verdade o céu não escureceu, por onde o amor passou, foi de estrelas que o salpicou. Que noite linda, noite como as noites de sertão. A minha rua ficou repleta de cadeiras nas calçadas, parecia mentira, jogando conversa fora descontraídos, simples e tão felizes, em poucas horas do anoitecer, como se estivessem de volta a um passado muito distante sem energia elétrica, muitas velas e lanternas acesas, vi. Cheguei estressada comigo mesma, desejei boa noite e entrei, acendi algumas velas pela casa toda, para me sentir vivendo há muito tempo atrás quando eu ainda tinha a minha família toda reunida, assim me refugiei... Na verdade o céu não escureceu, me aproximei ainda mais daquele amor, lhe procurei na imensidão dos pontinhos cintilantes pintados ao redor da lua, em outros tempos eu ia correr para lhe escrever, mesmo à caneta. Quanto mais eu olhava em silêncio, para o céu, mais a quantidade de estrelas aumentava, me estranhei, com a angústia incômoda que senti, me peguei querendo não ser mais sua, quis resgatar a minha razão, desistindo de querer o seu amor, você é um pássaro que há muito voltou para o seu ninho, cansou de ter uma alma de ermitão por aí sozinho. Eu que sempre desejei e desejo a sua felicidade, me senti feliz que esteja bem, de verdade. De repente tudo escureceu, só dentro de mim. Foi um tempo de proximidade que se fez necessário, para que deitada num pequeno espaço da grama do meu quintal, contando estrelas, me perdesse para me reencontrar, me vi diante de mim mesma como há muito eu não conseguia, pensei com afinco nos motivos, na tristeza que não me levava mais para você, mas para um abismo. Pensei na sua beleza que está no todo seu,
No temperamento brando e arrojado, está nas poucas palavras com significância que tão bem usa, está no seu silenciar e retornar com sabedoria, discrição, está no jeito que pensa, que guarda, que esquece, que se refaz... Opinioso sim, mas um menino, daqueles que brinca com qualquer coisa, só para lhe fazer sorrir. Ah! Ele feito de magia, feito as estações, cheio de encantos e beleza, mas também nele há tempestade, há cor, as cores mais lindas que seduz os meus olhos de amor, ele é a parte humana mais linda da natureza, ele é o que realmente quero e que me encanta, é com ele que eu sonho e quando acordo a vontade que eu tenho é de correr ao seu encontro, só para abraçar. Com ele eu sonhava, esquecendo que ele é a transição das estações, na sua transição enigmática, o seu jeito imprevisível por tanto tempo me manteve viva, atenta. O seu do jeito que some, reaparece intenso e profundo, no fundo uma tábua de salvação inalcansável, e eu me afogando, afogando, e cada vez ele me vendo afundar e nem um aceno, ah que veneno esse amor, a cada sua aparição, aí estava feito a derrota, pois quando o reencontro, sem poder tocá-lo, muito mais morro por dentro. Nesse instante, senti uma vontade louca de esquecer aquele rosto, eu gosto de ser só, mas porque eu amo tanto você? Preciso ser diferente, essa que está em mim não sou eu... O meu corpo não é meu, a minha alma não é minha, não consigo mais saber quem eu sou, milhões de palavras não me define, preciso sair desta estrada demarcada por um você, que não existe, mas existe sim, e eu tenho que arrancá-lo daqui do peito, da alma, da minha vida. Sei que não poderia jamais ter você por completo, pois é feito de partes, quanto a mim a parte que me falta é você, nesse apagão tecnológico, alguma coisa dentro de mim se apagou, e sei que foi a esperança. Por isto Anna, lhe escrevi esta carta num fôlego só, com erros gramaticais e de digitação, talvez, não me importo, aqui não volto mais, decidi, eu hoje quero me despedir para sempre de você, e dele certamente, nem pretendo mais ler uma linha dele sequer para eu poder conseguir firme em minha decisão, e até nunca mais.
P.S: Anna, é uma antiga conhecida minha que hoje morreu
Contando as estrelas numa noite de um dia muito lúcido e louco.
_ Liduina do Nascimento.