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Manuscritos
Sem querer o passado vive em nós _ Levarei comigo carregada de histórias; a velha casa dos meus pais, o rosto suave da minha mãe, as suas primeiras rugas, os seus cabelos brancos e o seu espanto, ela me contava dos seus medos, as suas histórias de vida... as lembranças de infância dela e minha, levarei, o amor ilimitado do meu pai, pela vida, seu largo sorriso e otimismo. Levarei as férias na serra, tempo bucólico, causando a mais terna sensação, retratos da minha própria vida. A lembrança viva dos meus avós, as suas origens... o engenho e o casarão, o docinho natural do caldo de cana de açúcar, passado na prensa, pelas mãos do meu avô, a tangerina dentro, espremida. Dos apertos e acertos ao que nos conduz a vida. O meu avô era um homem sério, mas as suas histórias eram engraçadas, atemporais, dizia do mundo antigo e sem saber falava do atual desamor. Então, vai saudade, vai escrevendo dos anseios vividos... Das cores das pipas, das bolhas de sabão, dos barquinhos de papel, e de noite os Vaga-lumes, as fogueiras, brilhando dentro dos olhos dos meus irmãos... Luís Gonzaga, a sanfona, o seu chapéu de couro e o toque do baião.
Manuscritos de agora _ Um riso, sem importar se é verdadeiro ou amarelo, o pavor embutido, segredos, afunda a ala romântica de uma livraria, onde predomina o silêncio, para a minha alma, uma falsa alegria afligida por um amor mal resolvido. Rostos paralisados, e palidez. As cachoeiras por lá ficaram... aqui um quarto escuro, a madrugada, a ramagem invadindo, roçando o muro, no alpendre a rede, não, não quero descansar, o quintal iluminado pela lua, ao longe, os gritos, a algazarra dos cachorros que a mim amedronta, do outro lado os perigos da rua, o medo me afronta.
Degraus do tempo, solitude... o abajur, poucas páginas em branco, o vento, as cortinas... e no peito, anulados manuscritos. E no fundo da minha alma, o brilho de olhares de amores sem fim, muito maior, mais que essa menor parte acabada que restou de mim. Amor amiúde de todos os dias, o que incentiva a viver. Adiante a estação do trem... o trem, o apito, as suas janelas, os caminhos, flores silvestres azuis, cada árvore que passa, retrovisor, saudade, as folhas de bananeiras, libélulas, pássaros os voos sem rumo, a andorinha ligeira, o Beija-flor, feito um colírio quer invadir o sono, e passa... Amanheceu, agora solo seco, os cactos, araras vermelhas, a flor do maracujá, a falta de prumo. Deixei as montanhas para trás, levo comigo tudo o que me faz sorrir, alegre ou infeliz, a existência é a realidade que espelha, em minha janela, o sol me cumprimenta com um bom dia.