A inocência no escrever
Nas mãos, a mesma fotografia num preto e branco
quase amarelado. Meu Deus, quanto tempo já fazia?
Nasceu um súbito desejo pelas cores, uma ânsia ...
Era a vida lhe chamando, querendo retirar do peito
a melancolia. Precisava do céu parecendo mais azul.
Pelas nuvens passear em alguns invisíveis caminhos.
Era a alma ansiando pela sua liberdade, expulsando
aquele reprimido sonho de cativeiro, feito um sofrido
e desesperado passarinho.
Sair de si mesma já não seria um sonho, precisava partir,
encontraria algum lugar mesmo que não fosse o desejado,
deixaria os tristes pensamentos, na estrada, todos largados.
Reencontrar-se, queria, não estava assim tão tarde!
Olhou outra vez para o céu, comoveu-se com a liberdade
dos anjos voadores que lhe seguiam, e cantavam felizes,
longe dos perigos. Sempre os seus amados passarinhos.
Com prudência ia cada vez mais se afastando da prisão,
esquecendo pesadelos, em busca de um calmo abrigo...
Escrevia ...
Escrever é semear um imenso jardim, muitas flores, às vezes
por entre os dedos, escorregáveis indesejadas ervas daninhas.
É que não dava para conter... Elas são as que matam o doce,
e a inocência no escrever.
Tanto, tanto excesso nas palavras, daqueles desejos sufocados.
Implodido havia um ser silencioso, para si mesmo o estranho
pensante, mas num corpo que não se aquietava, na sua luta
entre uma alma madura, diante o cenário da vida, por outra,
um outro ser apenas figurante esquisito, um tanto desesperado.